Imaginámos sempre que morreríamos no segundo seguinte

01-08-2021

É inequívoca e reconfortante a ilusão de que morremos no instante a seguir à perda de um filho.

A mais cruel violência que doi a cada inspiração e que é mais agoniante a cada segundo de vida. A dor, que de tão enlouquecedora, leva a um estado automático que não permite processamento nem orientação, que nos isola do mundo e, por vezes, de nós mesmos.

Tudo o que era crença ou fé até então, fica trémula e sente-se como se de deslealdade falássemos. Acreditámos sempre tanto que algo nos protegia e, nesse momento, sentimo-nos despidos de qualquer aparente ilusão nesse sentido.

"Se existe um Deus, onde estava ele?" alimenta-nos a frustração e a agonia de uma dor que não tende a melhorar a cada dia. Os "porquês" ganham uma dimensão, quase transcendente, para os quais não queremos aceitar respostas. 

"Porquê a mim? Que mal fiz eu? Se tivesse percebido mais cedo. Se eu soubesse... Não está a acontecer! Talvez seja só um pesadelo e acorde e... Meu amor, volta para nós!"

Nós, que sempre pensámos que morreríamos com eles, insistimos em encontrar razões para continuar a respirar. 

A humildade que representa o papel de pai ou de mãe leva-nos a culpabilizar-nos por não termos feito mais, por não termos estado mais e por termos, tantas vezes em "mote de educação", ralhado por coisas que, agora, nem sentido têm mais.


A raiva alimenta grande parte do tempo. E se achávamos que a morte, em algum sentido remoto poderia trazer paz, mesmo quando a vida se encarregou de nos dar o inferno, estivemos sempre tão errados!

Ao percebermos que é real o que sentimos e que se esgotaram todos os fragmentos de possível esperança de término de um pesadelo atroz .... cai-se, perde-se o chão, o corpo reage áquilo que a alma não consegue mais suportar. Os gritos, o choro e a ferocidade com que se tenta ser prático e organizado sucumbem em desespero, apenas desespero de algo que não tende em melhorar.

As palavras de ilusório conforto que as pessoas debitam por automatismo de "boas maneiras não estudadas", tendem a soar em eco, vago e longínquo, que em nada altera ou impacta um estado de espírito que transborda em vazio. 

Os objetos, a roupa, o cheiro que fazemos por permanecer começam a desvanecer-se e o medo do esquecimento, de como era sentir, ouvir ou admirar provocam uma sensação de pânico e tristeza profunda.


Grande parte dos dias são passados num abismo solitário, acreditando, erradamente, que quanto menos se falar no assunto "melhor arrumamos a cabeça".

Ainda que estejamos certos de que esta dor não tem fim, erguemo-nos desse buraco negro, insistindo em ter um motivo para se estar vivo, mesmo tendo sempre acreditado que morreríamos também. Muitas outras razões nos fazem ver o sol nascer a cada dia: a família, o trabalho, os amigos, a responsabilidade de apoiar o outro ou, quando tudo parece ser pouco, acreditando que seria o último desejo daquele que não mais voltamos a abraçar.

Também as relações tendem em ficar frágeis por se pensar que há sempre um dos lados que sofre mais ou, para não magoar o outro, evita-se o assunto, o nome, o choro, a conversa... evita-se o amor. Afinal, por instantes chegamos a pensar que não mais merecemos amar ou ser amados. Protegendo-nos, acreditamos.

Por considerarmos que é absolutamente inconcebível a cura desta dor, adiamos qualquer tipo de apoio que apareça. O medo torna-nos resistentes à teraia.

Procurar ajuda, sem culpa, remorso ou resistência, pode ensiná-lo a gerir melhor o inferno onde chegámos. Orienta-nos, obriga-nos a olhar em frente, a encontrar estratégias para lidar com o sofrimento e a estar focados em gerir uma dor que veio para ficar. Uma dor que passou a habitar-nos e por isso, importa deixá-la entrar e aprender a viver com ela para que um dia, quando vos visitar, saibam recebê-la, apenas com nostalgia e uma eterna saudade.

Nunca sairemos vitoriosos de uma batalha que teimamos em não enfrentar.  

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